MARCUS MENNA
“É só me recompor...” diz a letra de “Sem Radar”, sucesso de 2003. Quem não se lembra do drama vivido por Marcus Menna, vocalista do LS Jack, em julho de 2004? Após se submeter a uma cirurgia de lipoaspiração em uma clínica do Rio de Janeiro, o cantor sofreu uma parada cardiorrespiratória e permaneceu internado por 62 dias, grande parte desse tempo em coma. Fribook bate um papo emocionante com o cantor e percebe que ele não só está se recompondo, como já está se preparando para retomar sua carreira artística. E, parafraseando o sucesso da banda, não, Marcus... o mundo não te esqueceu!
Nossa equipe chegou às 14h de uma terça-feira nublada no condomínio Barramares, zona Oeste do Rio de Janeiro. Marcus já estava à nossa espera. Fomos recebidos por ele, sua esposa Flavia Guinancio e sua filha (com Priscila Gregson) Mariah, que participaram também da entrevista. Mariah sempre ativa, simpática e muito comunicativa. Flavia frequentemente ajudava a apurar as lembranças mais recentes do cantor e aparece como pessoa fundamental na recuperação de Marcus. O editor da revista – André Lima e Marcus se conheceram há mais de 30 anos, o que transformou a entrevista em um papo descontraído e emocionado. Eles foram vizinhos nesse mesmo condomínio e relembraram histórias de infância que trouxeram um ar de nostalgia e saudade de tempos que ficaram marcados na memória dos dois. O acidente, recuperação, LS Jack, família e planos para o futuro... confira tudo nas próximas páginas de Fribook!
FRIBOOK – Como iniciou a relação com a música na sua vida?
MARCUS – Minha vida relacionada à música nasceu aqui mesmo no Barramares.
FLAVIA – Mas a semente foi plantada no Paraguai, né?
MARCUS – É! (risos de todos)
FRIBOOK – Como assim?
MARCUS – Fui morar no Paraguai porque meu pai era militar. Nessa de ser militar ele foi transferido para a Missão Militar Brasileira que temos no Paraguai. Lá comecei a estudar música na escola. Aprendi a tocar saxofone. Aí nasceu o interesse pela música. Foi lá que formei minha primeira banda: “Sandwich de Verdura”. Tinha que ser lá, né? (risos). Depois de lá fui morar de novo em Brasília, local onde nasci. Um tempo depois voltei para o Paraguai e finalmente vim para o Rio, onde moro até hoje. Aqui fiz minha segunda banda, a Dead Season. Comecei a tocar nos barezinhos que existiam por aqui no Barramares. Depois fiz alguns trabalhos para a Walt Disney, nas versões em português de alguns filmes. Foi nessa época que eu me vi como músico mesmo. Desde moleque descia ao clubinho do condomínio para assistir o pessoal tocando Rush. Eram Bicudo na bateria, Vitinho no baixo, e Serginho na guitarra e cantando Geddy Lee (N. do E.: vocalista e baixista da banda canadense Rush) absurdamente. Pensei: quem sabe um dia poderei tocar com caras maneiros assim. Então naquela época fiz as gravações para a Disney e cheguei a cantar no Analfa com Serginho (Knust), que agora está tocando comigo. Excelente guitarrista e pessoa fantástica. Ele é de Friburgo também. Quando entrei na Faculdade Estácio de Sá, onde fui estudar música, encontrei o Vitinho e comecei a trocar uma ideia. Então começou a amizade com os irmãos Serginho e Bicudo, e daí nasceu o “Dito Cujo”. Fizemos um E.P. Depois a banda virou L Acid Jazz, para tocar na noite do Rio, no Ballroom e no Terraço Rio Sul. Aí começamos a crescer e assinamos contrato com nosso primeiro empresário, Zé Henrique, que era vocalista e baixista da banda Yahoo. Depois assinamos um contrato com a Indie Records e mudamos o nome da banda para LS Jack. Naquela época, Vinny (N. do E.: aquele de “Heloísa Mexe a Cadeira”), amigo nosso de longa data, compôs para a gente a musica “LS Jack”, que está no nosso primeiro álbum.
FRIBOOK – Vocês tocaram por um bom tempo no Programa da Xuxa, na Rede Globo, certo? Como isso aconteceu?
MARCUS – O Zé Henrique era casado com a Angela Mattos, irmã da Marlene Mattos, empresária da Xuxa. Aí um belo dia foram no Terraço Rio Sul e viram a gente. Ai falaram: “LS Jack... que legal, vamos levar esses meninos para o tocar na Xuxa!”
FRIBOOK – Sobre o acidente em 2004. Quando a ficha caiu? Como foi o impacto?
MARCUS – Pô foi grande, cara. Para cair a ficha de que realmente alguma coisa grande aconteceu, foram quase três anos. Até as coisas voltarem, até eu me adaptar a tudo foram dez anos de luta, até eu pensar: “Estou aqui de volta... maravilha! Vou voltar a fazer o que fazia”. Essa reorganização levou um tempo.
FLAVIA – Quando Marcus sofreu o acidente, tinha acabado de gravar “Jardim de Cores”. O CD acabou sendo lançado com a com voz guia (N. do E.: no processo de gravação em estúdio, o vocalista grava uma voz inicial, que ainda não é a definitiva, apenas como base para que se grave os outros instrumentos – a chamada “voz guia”. A voz definitiva, em geral, é a última etapa da gravação). Ele não voltou para gravar, estava em coma. Quando saiu do coma, não se lembrava de nada. Nem que ele existia, nem que ele tinha uma filha e só falava em espanhol. Não lembrava a própria língua e achava que tinha quinze anos. Carla passou uma barra (N. do E.: na época do acidente, Marcus estava casado com Carla, sua primeira esposa). Ele tinha que ficar com uma enfermeira o tempo todo. Não sabia comer direito, não conseguia secar a boca, não conseguia sentar, não conseguia andar, não conseguia nada. Com a cadeira de roda em casa teve que adaptar tudo. Quando o conheci não conseguia levantar os braços. Não tinha mobilidade. Não tinha memória. Não se lembrava do que aconteceu. Hoje ele vai se lembrar do que está acontecendo, vai se lembrar desta conversa e de vocês. A recuperação real está acontecendo agora. E para piorar, na época ainda tinha o pessoal que chamava ele para beber e usar drogas.
MARCUS – Tinha isso! Ainda mais comigo... precisando me readaptar à vida.
FLAVIA – E não era qualquer um que fazia isso. Era gente que estava em volta, ligada à vida musical dele! Não é questão de terem feito isso intencionalmente, talvez não tivessem noção do mal que isso fazia a ele. Estava acontecendo uma reconstrução neurológica e isso prejudicava muito. Uma pessoa que teve uma perda de memória grande como a dele, e que tende a usar bebidas e drogas, em um segundo momento entra em depressão, fica entristecida, piora. E para sair desse buraco precisa de muita força. Até sua família, claro, sem saber, o chamava para tomar um vinho. E ele estava tentando organizar a vida dele. Em 2006 quando ele começou a entender que ele tinha uma mulher, uma filha, quem era ele, Carla não quis mais. Então ele passou a morar na casa dos pais dele. O pai assume a responsabilidade sobre ele e a mãe fica com o filho morando na sala. Mesmo assim, ele voltou para o cenário musical com a banda V.I.B.E. (até 2007). Naquele momento Marcus já tinha conseguido seu próprio apartamento. E com o apoio da mãe, começou a carreira solo. Logo em seguida conheceu a mãe da sua filha Mariah, Priscila.
FRIBOOK – Como começou o relacionamento de vocês?
FLAVIA – Foi em 2010, no mesmo ano que o LS Jack voltou. Naquela época Marcus estava com uma mistura de emoções que não conseguia controlar. Ainda chateado com a separação da mãe da Mariah, mas não sabia muito bem o que queria. Muito agitado, não conseguia ficar parado. Comia compulsivamente. Mas aí nós ficamos amigos por seis meses até nosso primeiro beijo. Não queria me envolver, estava pensando até em morar fora. Dentro dessa amizade, o convidei para um centro de oração. Começou a frequentar a igreja comigo e isso despertou certa tranquilidade nele. Começou a pensar em tudo o que estava acontecendo. Começou a ser inserido na sociedade de uma maneira mais humana. E aí começou a aparecer no meu escritório. Pedia ao Fábio, um amigo em comum, para leva-lo lá. Quase todo dia eles estavam no meus escritório. Virou quase um compromisso. Nessa época, Bebel Xavier, ex-empresária do LS Jack, tinha voltado para o Rio e resolveu ver Marcus, Serginho e Bicudo (guitarrista e baterista da banda), e marcaram de se encontrar. Então Marcus me convidou para ir. Foi quando percebi que a coisa entre nós estava ficando séria. Mas, por causa do assédio das fãs, acabei indo embora. Quando cheguei em casa, acabei encontrando um papelzinho de uma brincadeira que fiz em família, onde cada um tirava uma anotação de uma caixinha com versículos. Estava escrito no papel o versículo do profeta Oséias: “Vinde e tornaremos para o Senhor. Ele nos despedaçou, mas nos sarará; fez a ferida, mas a ligará”. Ignorei, mas depois é que me toquei que esse era o Marcus. O engraçado foi que, na época tinha colocado o papelzinho de volta na caixinha e não havia pensado mais no assunto. E naquela noite fiquei mal com a situação. Ele já estava me envolvendo. Fui mexer de novo na caixinha para, sei lá... ter alguma perspectiva, talvez. E acabei tirando o mesmo papelzinho. Aí eu pensei, “não é possível isso!”. Percebi que tinha sentido ciúme, e a coisa estava ficando diferente. Senti que era um sinal. Aí começou. Foi quando percebi a necessidade de mudanças. Me envolvi no seu tratamento, no trabalho, na preparação física e na leitura da bíblia.
Nesse momento, Marcus, que estava atento a tudo que se falava, interrompe:
MARCUS – Flavia foi meu grande presente do nosso Pai.
FLAVIA – Mas ele foi o meu presente. Até uma fã escreveu uma coisa bem interessante para mim: “quando olho para seu olhar, enxergo que você olha para ele perguntando: o que seria da minha vida sem você?”
MARCUS – Isso não tem preço!
FLAVIA – Existe com certeza, uma porção de amor que nunca senti na minha vida e outra grande porção, de Deus mesmo! Tanto da minha parte quanto da dele. Temos um entrosamento muito perfeito e até assustador, até mesmo pra gente. Muitas coincidências. Nós moramos no Paraguai na mesma época, falamos guarani e nascemos no mesmo ano.
FRIBOOK – Fãs aguardam ansiosos por novos trabalhos. O que podemos esperar dos projetos para o futuro?
FLAVIA – Era muito necessário para a recuperação do Marcus que a banda continuasse, mas o LS Jack acabou. Era o momento de trabalhar mais a banda e não só marcar shows. Ele tem tudo dentro da cabeça dele e precisa de uma banda para desenvolver. Sofreu muito quando a banda acabou. Acordava com esse pensamento fixo de voltar com a banda. Foi como uma morte para ele. Foram três meses de muita dor. Hoje temos Erick Alves, o professor de canto que é fonoaudiólogo e ainda é o tenor do Municipal. Marcus tem muita admiração por ele. Depois do acidente nunca se sentiu seguro com a sua voz e com Erick ele sente essa segurança. Melhorou sua postura e ajustou os “travamentos” que dificultavam que ele soltasse a voz. Identificou também que a língua do Marcus está enrijecida. Tem que ver o vocalise (N. do E.: exercício vocal) que passa para o Marcus. Ele é fantástico! Agora para um novo trabalho é preciso se desprender da LS Jack. Marcus precisa de um tempo para compor. Um tempo para recuperar sua autoestima. Nessa de não saber como recomeçar nos lembramos do Kim Lírio, que emocionou Marcus ao cantar “Sem Radar” no The Voice Brasil.
FRIBOOK – Você sabia que ia passar? Ou foi pego de surpresa?
MARCUS – Não sabia... foi uma surpresa enorme. Fiquei muito feliz!
FLAVIA – O jeito dele se vestir é muito parecido com o do Marcus. Aí surgiu a ideia de fazer uma grife, camisetas temáticas com as músicas do Marcus, com aquele jeito roqueiro de ser. Mas queríamos uma coisa conceitual. Chamamos um estilista e um cara que faz camisetas de heavy metal. Aí fizemos a coleção que se chama “Road Club”. Logo em seguida veio um cara de cosméticos e fizemos uma linha de cosméticos também, baseada nas músicas do Marcus. Estamos também com este projeto de viajar pelo Brasil com novas bandas, onde Marcus possa cantar junto. As bandas mostram suas músicas autorias e Marcus canta suas canções. Uma promove a outra. E esses produtos da “Road Club” ajudam para que tudo isso aconteça.
FRIBOOK – O que tem ouvido de novo?
MARCUS – Tenho escutado Kauan (Calazans) da banda Folks, que está fazendo um trabalho muito legal. Tem tudo para arrebentar.
FRIBOOK – E o futuro?
MARCUS – Eu espero e quero muito voltar a fazer o que fazia. Voltar a compor, ter uma banda e voltar ao meu trampo mais uma vez. É isso que eu quero. E daí seguir em frente.
FRIBOOK – Tem ensaiado, composto?
MARCUS – Muito pouco, ainda. Estou tendo que reaprender tudo. Mas acho que muita coisa boa virá... ideias novas! Ainda mais porque estamos pensando em morar em Los Angeles, ficar uns dois anos por lá. Queremos ver o que a galera lá de fora está fazendo. Também quero conhecer a Europa. Sempre tive uma vontade enorme de ir à Inglaterra, onde nasceram os Beatles, onde surgiu o Rock ‘n’ Roll!
Nos despedimos de Marcus, Flavia e Mariah agradecendo a hospitalidade e o carinho com que fomos recebidos. Certos da recuperação e torcendo por “Vibrações Inteligentes Beneficiando a Existência”, aguardamos ansiosos novos trabalhos seus, Marcus!